Cidade dispunha de relações directas com Vigo, Corunha, Compostela, Salamanca, Madrid e Paris. Agora perde o último comboio internacional
Quando Jacinto, de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, viajou de comboio da cosmopolita Paris para Portugal, entrou no país pela fronteira de Barca de Alva a bordo do célebre expresso Porto-Medina del Campo. Esta foi a primeira relação ferroviária internacional desde o Porto. Foi inaugurada em 1887 e dava ligação, em Medina, ao Sud Expresso que vinha de Lisboa rumo a Paris.
Em 1913, é inaugurado o primeiro serviço directo Porto-Vigo. Até então, já havia ligações ferroviárias, mas com transbordo na fronteira de Valença. O serviço começou por ser trissemanal, às terças, quintas e sábados, e incluía uma carruagem directa que vinha de Lisboa-Rossio e era atrelada ao comboio para Vigo em Campanhã.
O sucesso desta ligação foi tal que em breve passou a diária. E só não se expandiu mais cedo, porque ocorreram a guerra civil espanhola e a II Guerra Mundial. Só em 1952 o Porto volta a projectar-se com novas ligações ferroviárias directas, desta vez com um comboio diário para Corunha e outro para Vigo e Santiago de Compostela. A composição para Corunha mantinha a carruagem que vinha de Lisboa e lhe era atrelada.
Por essa altura, a ligação internacional pela Linha do Douro incluía um comboio nocturno do Porto para Madrid. A viagem fazia-se pela Régua, Pocinho, Barca de Alva, Fuente de San Esteban (onde dava ligação ao Sud para Paris), Salamanca e Madrid. A composição tinha restaurante e carruagem-cama. Um luxo para a época.
Em 1963, a CP e a Renfe duplicam a ligação diária para Corunha, que passa a ter dois comboios em cada sentido, mas em 1971 o serviço é encolhido e só vai até Vigo. Em contrapartida, passa a ser assegurado por modernas automotoras, o mesmo acontecendo à relação para Castela, que passa a ser feita só entre S. Bento e Salamanca, mantendo-se até 1975.
Mas é por esta altura que se inaugura a relação internacional Porto-Hendaya. Do Porto passa a ser possível viajar sem transbordos para a fronteira francesa e, a partir de 1973, directamente para Paris, fazendo-se a viagem em carruagens-couchettes que, na fronteira de Hendaya eram elevadas em potentes macacos hidráulicos, para lhes trocarem os bogies (rodados) adaptando-as à diferente bitola das linhas gaulesas.
Este serviço iria durar 22 anos, até 1995. Entretanto, em 1986, o Porto-Vigo vê a sua frequência aumentar para três comboios diários em cada sentido durante os meses de Verão. Foi o último fôlego. Em 2003, desaparece o comboio directo para Hendaya e o Porto fica reduzido ao serviço internacional para Vigo, que desaparece agora no próximo domingo.
Desde 1992, quando se aboliram as fronteiras na Europa, aumentou o número de relações ferroviárias internacionais entre os estados-membros. Portugal andou em contra-ciclo, tendo sido a partir dessa década que foi diminuindo progressivamente os comboios transfronteiriços.
Cidades à margem
Serviço de autocarros ainda não é uma alternativa
Quando a CP alega que os autocarros fazem o mesmo trajecto entre Porto e Vigo em apenas duas horas, contra as 3 horas e 20 minutos do comboio, só está a comparar a mesma origem e destino, não considerando o caso de cidades como Viana do Castelo, Barcelos e Famalicão que ficam agora sem ligação directa à Galiza.
Os autocarros da Renex que ligam o Porto a Vigo partem do Jardim da Cordoaria e só param em Valença. A empresa realiza quatro serviços nos dias úteis, em cada sentido, numa viagem que demora duas horas. A viagem só de ida custa 12 euros e o bilhete de ida e volta fica por 18 euros.
Já a operadora Internorte demora duas horas e meia, mas tem paragem no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e em Braga. A frequência é de uma ligação diária, excepto à segunda-feira em que circulam dois autocarros em cada sentido. A partida faz-se, sintomaticamente, da Praça da Galiza e o bilhete custa dez euros, na ida, e 18 euros, para ida e volta.
O fim dos comboios directos para Vigo, que a CP anunciou para o próximo domingo, deixa apenas um pequeno troço desta linha sem comboios de passageiros. Entre Tuy e Porrinho fica um vazio (ver infografia) que já não se verifica quando se avança quer para Vigo quer para o Porto, já que tanto a Renfe como a CP entendem que terão aí mercado suficiente para continuar a operar (mesmo com prejuízo no caso da segunda empresa).
Entre Porrinho e Vigo, há oito comboios regionais por dia em cada sentido e, entre Valença e Campanhã, no Porto, mantêm-se as oito ligações regionais e inter-regionais. Os próprios comboios "internacionais" vão manter a sua lei de paragens entre Porto e Valença, servindo a Linha do Minho na categoria de inter-regionais. Apenas deixarão de atravessar a fronteira.
Já de Viana do Castelo para Campanhã, a CP assegura 13 comboios por dia em cada sentido. Ou seja, só mesmo a região fronteiriça ficará sem comboios de passageiros.
Apesar de tudo, a "fronteira ferroviária" Valença-Tuy não vai fechar. Por lá passaram em 2010 cerca de 380 comboios de mercadorias, a maioria dos quais da Takargo. Esta empresa ferroviária privada do grupo Mota Engil organiza cinco comboios por semana, com cargas de madeira, entre Lugo e Louriçal (Figueira da Foz). Um número que, paradoxalmente, vai duplicar já a partir da próxima semana, com outros tantos comboios desde a Corunha. Desaparecem os passageiros. Aumentam as mercadorias.Via:PUBLICO
06.07.2011
CARLOS CIPRIANO
Quando Jacinto, de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, viajou de comboio da cosmopolita Paris para Portugal, entrou no país pela fronteira de Barca de Alva a bordo do célebre expresso Porto-Medina del Campo. Esta foi a primeira relação ferroviária internacional desde o Porto. Foi inaugurada em 1887 e dava ligação, em Medina, ao Sud Expresso que vinha de Lisboa rumo a Paris.
Em 1913, é inaugurado o primeiro serviço directo Porto-Vigo. Até então, já havia ligações ferroviárias, mas com transbordo na fronteira de Valença. O serviço começou por ser trissemanal, às terças, quintas e sábados, e incluía uma carruagem directa que vinha de Lisboa-Rossio e era atrelada ao comboio para Vigo em Campanhã.
O sucesso desta ligação foi tal que em breve passou a diária. E só não se expandiu mais cedo, porque ocorreram a guerra civil espanhola e a II Guerra Mundial. Só em 1952 o Porto volta a projectar-se com novas ligações ferroviárias directas, desta vez com um comboio diário para Corunha e outro para Vigo e Santiago de Compostela. A composição para Corunha mantinha a carruagem que vinha de Lisboa e lhe era atrelada.
Por essa altura, a ligação internacional pela Linha do Douro incluía um comboio nocturno do Porto para Madrid. A viagem fazia-se pela Régua, Pocinho, Barca de Alva, Fuente de San Esteban (onde dava ligação ao Sud para Paris), Salamanca e Madrid. A composição tinha restaurante e carruagem-cama. Um luxo para a época.
Em 1963, a CP e a Renfe duplicam a ligação diária para Corunha, que passa a ter dois comboios em cada sentido, mas em 1971 o serviço é encolhido e só vai até Vigo. Em contrapartida, passa a ser assegurado por modernas automotoras, o mesmo acontecendo à relação para Castela, que passa a ser feita só entre S. Bento e Salamanca, mantendo-se até 1975.
Mas é por esta altura que se inaugura a relação internacional Porto-Hendaya. Do Porto passa a ser possível viajar sem transbordos para a fronteira francesa e, a partir de 1973, directamente para Paris, fazendo-se a viagem em carruagens-couchettes que, na fronteira de Hendaya eram elevadas em potentes macacos hidráulicos, para lhes trocarem os bogies (rodados) adaptando-as à diferente bitola das linhas gaulesas.
Este serviço iria durar 22 anos, até 1995. Entretanto, em 1986, o Porto-Vigo vê a sua frequência aumentar para três comboios diários em cada sentido durante os meses de Verão. Foi o último fôlego. Em 2003, desaparece o comboio directo para Hendaya e o Porto fica reduzido ao serviço internacional para Vigo, que desaparece agora no próximo domingo.
Desde 1992, quando se aboliram as fronteiras na Europa, aumentou o número de relações ferroviárias internacionais entre os estados-membros. Portugal andou em contra-ciclo, tendo sido a partir dessa década que foi diminuindo progressivamente os comboios transfronteiriços.
Cidades à margem
Serviço de autocarros ainda não é uma alternativa
Quando a CP alega que os autocarros fazem o mesmo trajecto entre Porto e Vigo em apenas duas horas, contra as 3 horas e 20 minutos do comboio, só está a comparar a mesma origem e destino, não considerando o caso de cidades como Viana do Castelo, Barcelos e Famalicão que ficam agora sem ligação directa à Galiza.
Os autocarros da Renex que ligam o Porto a Vigo partem do Jardim da Cordoaria e só param em Valença. A empresa realiza quatro serviços nos dias úteis, em cada sentido, numa viagem que demora duas horas. A viagem só de ida custa 12 euros e o bilhete de ida e volta fica por 18 euros.
Já a operadora Internorte demora duas horas e meia, mas tem paragem no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e em Braga. A frequência é de uma ligação diária, excepto à segunda-feira em que circulam dois autocarros em cada sentido. A partida faz-se, sintomaticamente, da Praça da Galiza e o bilhete custa dez euros, na ida, e 18 euros, para ida e volta.
O fim dos comboios directos para Vigo, que a CP anunciou para o próximo domingo, deixa apenas um pequeno troço desta linha sem comboios de passageiros. Entre Tuy e Porrinho fica um vazio (ver infografia) que já não se verifica quando se avança quer para Vigo quer para o Porto, já que tanto a Renfe como a CP entendem que terão aí mercado suficiente para continuar a operar (mesmo com prejuízo no caso da segunda empresa).
Entre Porrinho e Vigo, há oito comboios regionais por dia em cada sentido e, entre Valença e Campanhã, no Porto, mantêm-se as oito ligações regionais e inter-regionais. Os próprios comboios "internacionais" vão manter a sua lei de paragens entre Porto e Valença, servindo a Linha do Minho na categoria de inter-regionais. Apenas deixarão de atravessar a fronteira.
Já de Viana do Castelo para Campanhã, a CP assegura 13 comboios por dia em cada sentido. Ou seja, só mesmo a região fronteiriça ficará sem comboios de passageiros.
Apesar de tudo, a "fronteira ferroviária" Valença-Tuy não vai fechar. Por lá passaram em 2010 cerca de 380 comboios de mercadorias, a maioria dos quais da Takargo. Esta empresa ferroviária privada do grupo Mota Engil organiza cinco comboios por semana, com cargas de madeira, entre Lugo e Louriçal (Figueira da Foz). Um número que, paradoxalmente, vai duplicar já a partir da próxima semana, com outros tantos comboios desde a Corunha. Desaparecem os passageiros. Aumentam as mercadorias.Via:PUBLICO
06.07.2011
CARLOS CIPRIANO